As 5 empresas que ajudam resolver problemas no Sul

22/09/2014

Na região menos desigual do Brasil, uma população tão longeva quanto a de países europeus enfrenta as complicações de quem se aproxima do fim de uma vida relativamente bem vivida. Em nenhum outro lugar do Brasil tanta gente morre de câncer — embora a proporção de médicos e de leitos por habitante esteja entre as maiores do país.

No Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e no Paraná estão as cidades mais arborizadas e limpas. Em contrapartida, grandes metrópoles, como Curitiba e Porto Alegre, começam a sofrer com problemas de mobilidade causados pelo aumento no número de carros.

No quesito habitação, a região tem visto proliferar bolsões compostos de moradias irregulares — um efeito da chegada de gente do interior ao entorno das capitais, onde estão as melhores oportunidades. “Estamos enfrentando problemas típicos de uma região que amadureceu”, diz Julio Suzuki Junior, diretor de pesquisa do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social.

Os cinco empreendedores que aparecem nesta reportagem, a segunda da série Sou Empreendedor — Meu Sonho Move o Brasil, de 2014, estão à frente de negócios que crescem ao fornecer soluções para alguns dos principais desafios da região.

A curitibana Terra Nova promove acordos para regularizar moradias de famílias assentadas em terrenos particulares. O Grupo RPH, de Porto Alegre, produz substâncias usadas em exames que identificam tumores em fase inicial. A paranaense Dataprom desenvolve equipamentos e softwares para o monitoramento de tráfego que ajudam motoristas a perder menos tempo no trânsito.

A gaúcha VR Projetos seleciona produtores culturais para receber patrocínio de empresas que se beneficiam de vantagens fiscais previstas em leis de incentivo. A Welle Laser, de Florianópolis, desenvolve máquinas para aumentar a produtividade de grandes indústrias. Conheça as suas histórias.

Ações culturais que incentivam a leitura

No mês de abril, a praça Lauro Muller foi o ponto de encontro dos leitores de Campos Novos, cidade de 34.000 habitantes do oeste catarinense. Um ônibus colorido transformado em biblioteca ficou estacionado por lá durante uma semana. Quem o visitava podia emprestar um dos mais de 2.000 livros de escritores como Monteiro Lobato e Ziraldo. Teve contação de história para a criançada e encenação de teatro ao ar livre. Mais de 1.000 campo-novenses compareceram.

Uma das mais animadas era a estudante do 6º ano Laís Fernanda Coteski, de 12 anos. Na biblioteca, ela descobriu os livros da série Diário de uma Garota Nada Popular, da autora americana Rachel Russel. O livro conta a história de Nikki, menina que tenta se adaptar à rotina de uma nova escola ao mesmo tempo que se apaixona por Brandon, o garoto mais popular da classe. “Li um pedaço do livro e achei que tem tudo a ver com meu mundo”, diz Laís. “Estou doida para saber se a Nikki vai ficar com o Brandon.”

Incentivar o surgimento de novos leitores, como Laís, é o objetivo do projeto Roda de Livros, que também passou por cidades como Anita Garibaldi e Celso Ramos. A iniciativa foi patrocinada pela Enercan, empresa que administra a usina hidrelétrica de Campos Novos. Sua realização só foi possível por causa do trabalho da empreendedora Vera Shida, de 42 anos.

Ela é a fundadora da gaúcha VR Projetos, empresa que colocou os criadores do Roda de Livros em contato com a Enercan. “Ajudo a disseminar a cultura e tenho o maior orgulho disso”, diz Vera.

Vera criou a VR Projetos em 2009, depois de trabalhar na área de responsabilidade social da L&PM Editores. Lá, ela conheceu as leis de incentivo que permitem às empresas que patrocinam algum projeto cultural reduzir seus impostos. Um exemplo é a Lei Rouanet, que determina que empresas tributadas pelo lucro real podem deduzir até 4% no imposto de renda ao apoiar projetos culturais.

“Nem metade das empresas que podem aproveitar participa dos editais”, diz Vera. Não dá para saber se as empresas não patrocinam porque não encontram bons projetos ou se os bons projetos não saem do papel por falta de dinheiro. Vera viu nesse desencontro uma oportunidade.

A VR Projetos tem como clientes empresas como Gerdau, Marcopolo e Refinaria Riograndense de Petróleo. Sempre que elas fecham um patrocínio intermediado pela VR Projetos, a empresa fica com 10% do valor. Em 2014, o faturamento deverá chegar a 1 milhão de reais, 25% mais do que em 2013.

O trabalho da VR Projetos pode ajudar a Região Sul a se livrar de uma estatística que não condiz com a boa escolaridade de sua população. De acordo com uma pesquisa do Instituto Pró-Livro, a quantidade de pessoas que leem pelo menos um livro a cada três meses caiu 10 pontos percentuais de 2007 a 2011.

“É uma perda de quase 2 milhões de leitores”, diz Zoara Failla, gerente do Instituto Pró-Livro. Uma explicação para a queda no número de leitores é que há menos alunos em idade escolar do que em outras regiões. “Nessa fase, os alunos leem bastante por exigência da escola”, diz Zoara. “Iniciativas que perpetuem o hábito da leitura são muito bem-vindas.”

Acordos para regularizar moradias

A casa da enfermeira aposentada Rosária Jeremias, de 47 anos, destaca-se das demais residências do bairro Vila Nova, no subúrbio de Matinhos, cidade do litoral do Paraná. Dá para enxergar de longe a fachada pintada de amarelo vivo. Em seu quintal, vasos com azaleias-roxas e comigo-ninguém-pode enfeitam o caminho de quem entra. Em época boa, dá para comer fruta-do-conde madura recém-tirada do pé. “Adoro cuidar do que é meu”, diz Rosária.

O pedaço de chão de Rosária demorou oito anos para se tornar dela de verdade. É que parte do bairro está dentro de uma área particular que foi ocupada na metade da década de 90 por famílias que não tinham onde viver. Quando chegou a Matinhos, em 2006, Rosária aderiu a um acordo que a empresa curitibana Terra Nova propôs aos moradores para regularizar a situação.

Eles pagariam uma indenização ao dono do terreno, que poderia ser parcelada em até dez anos. No fim desse período, receberiam a escritura como novo dono da terra. “Já estou com meus documentos em mãos”, diz Rosária.

Fundador da Tera Nova, o advogado André Albuquerque, de 48 anos, começou a trabalhar com regularização fundiária em 2001, quando coordenou um projeto de habitação da prefeitura de Pinhais. Os acordos mediados pela empresa seguem algumas regras. Leva-se em conta o tamanho do terreno, o tempo em que permaneceu ocupado e a renda das famílias.

Os donos da terra e as famílias assentadas fixam uma indenização a ser paga, e a Terra Nova cobra as parcelas. A empresa recebe uma comissão de 30% pelo trabalho. “Os acordos são aprovados na Justiça, e todos saem ganhando”, diz Albuquerque.

Parte do trabalho feito pela Terra Nova é garantir que, depois que as famílias regularizem sua situação, os serviços públicos cheguem ao bairro que antes nem existia oficialmente. Foi o que aconteceu na vizinhança de Rosária. Há até poucos anos, ela evitava andar à noite pelas redondezas porque faltava iluminação.

O bairro não tinha acesso a saneamento, e o esgoto das casas escoava em córregos. Quando chovia, as ruas alagavam. “Era um mau cheiro terrível”, diz Rosária. Não é mais assim. Com a regularização, a Vila Nova passou a receber obras de infraestrutura. “As casas já estão com água encanada, e as ruas estão sendo asfaltadas”, diz Rosária. A luz também chegou. Agora os filhos de Rosária, os gêmeos Gabriel e Vitória, de 9 anos, podem brincar à vontade na rua.

O panorama da habitação no Sul poderia melhorar bastante se histórias como a do bairro Vila Nova se repetissem. A região é a que tem menos favelas no país. Mas a proporção de pessoas vivendo em assentamentos irregulares no entorno de Curitiba e Porto Alegre é parecida com a de cidades do Sudeste e do Nordeste — regiões onde os problemas de habitação são muito mais graves e disseminados.

Até hoje, a Terra Nova regularizou mais de 20.000 moradias — metade delas no estado do Paraná. Seu faturamento deverá ser de 2,9 milhões de reais em 2014, 40% mais do que em 2013. De acordo com o IBGE, a Região Sul tem 170.000 domicílios em situa­ção irregular — o que significa que a empresa pode crescer muito por lá.

Para que isso seja possível, nos últimos anos a Terra Nova tem recebido investimentos de fundos como o Mov, criado pelos fundadores da Natura, e o CWB Capital, que administra o patrimônio de donos de empresas familiares e investidores individuais de Paraná e Santa Catarina.

“Albuquerque conseguiu criar um modelo de negócios que alia bem-estar social com geração de lucro”, afirma Leonardo Jianoti, gestor do CWB Capital. “Empresas assim têm potencial real de melhorar a região.”

Radioatividade contra o câncer

Domingo é dia de futebol dos quarentões no campinho de várzea do bairro Vicentina, em São Leopoldo, nos arredores de Porto Alegre. O organizador é um gremista roxo — o guarda civil aposentado Guilherme Ferreira, de 45 anos. Além dos amigos que já passaram dos 40, Ferreira convoca primos, sobrinhos e vizinhos para completar os dois times que entram em campo.

Ninguém tem posição definida — e os fominhas são logo avisados que a pelada não passa de diversão. “O importante é reunir a gurizada para bater uma bolinha”, diz Ferreira.

Ferreira tem a disposição de quem passou a encarar a vida de um jeito diferente depois de superar seus limites por mais de uma vez. Em 2008, quando foi ao médico por causa de fortes dores no abdômen, ele descobriu um câncer no intestino. Ferreira precisou fazer uma cirurgia e ficar internado duas semanas num hospital de Porto Alegre.

“A recuperação em casa foi lenta”, afirma. Dois anos depois, Ferreira se submeteu a um tipo de exame que nunca tinha feito. O teste consistia em tomar um coquetel com substâncias radioativas e entrar numa câmara que capta imagens da reação no organismo. Numa tela, o médico consegue ver as áreas onde as células estão se multiplicando de forma irregular — um indício de tumor em estágio inicial.

“O exame mostrou que o câncer estava começando a se espalhar para o fígado de Ferreira”, diz Eduardo Vilas, médico do Centro de Medicina Nuclear Gravataí, onde o teste foi feito. O diagnóstico precoce permitiu agir rapidamente. Uma nova cirurgia foi feita, e Ferreira foi submetido a quimioterapia. “Quatro anos depois, estou novo em folha”, diz Ferreira.

O coquetel que permitiu fazer o exame que identificou o segundo câncer de Ferreira é fabricado pelo Grupo RPH, de Porto Alegre. A empresa é comandada pelo farmacêutico Rafael Madke, de 39 anos. Sua especialidade é a produção de radiofarmacos, como são chamadas as soluções usadas em exames de medicina nuclear.

“Também mantemos uma empresa que dá treinamento aos profissionais de saúde que usam nossos produtos”, diz Madke. Em 2014, o negócio deverá faturar 19 milhões de reais — 40% mais do que no ano passado — ao atender clientes como a Santa Casa de Misericórdia e o Hospital das Clínicas de Porto Alegre.

Os produtos do Grupo RPH ajudam a aumentar a expectativa de vida de quem descobre um câncer, uma das doenças que mais preocupam as autoridades de saúde do Sul. A região com a população mais longeva do país é também onde a taxa de mortalidade por câncer está mais alta — são 130 óbitos a cada 100.000 pessoas.

Entre os que mais matam estão o câncer de mama feminina, de próstata e de pulmão. De acordo com os cientistas, descobrir um tumor em estágio precoce aumenta muito as chances de cura. Um estudo do Instituto Nacional do Câncer descobriu que a taxa de mortalidade de mulheres com câncer de mama cai até 30% nos casos em que a doença é descoberta cedo. “Nossos produtos permitem aos pacientes com câncer ter mais esperança”, diz Madke.

Inteligência para melhorar o trânsito

De segunda a sexta-feira, a estudante de administração Arianne Domingos, de 22 anos, sai de sua casa, no bairro Campo Comprido, em Curitiba, e dirige 10 quilômetros até o centro para chegar à agência bancária onde trabalha, na rua XV de Novembro. Seu caminho é a avenida Silva Jardim, uma das vias de acesso de quem chega do interior do estado.

Naturalmente, a região tem um trânsito pesado. Ali pertinho fica a rodoviária, que nos últimos meses passou por reformas, o que piorou o tráfego. A situação só não virou teste de paciência porque Arianne contou com uma ajuda. Um painel de 1,5 metro de altura foi instalado há dez meses no cruzamento da avenida Silva Jardim com a rua Bento Viana.

Nele são exibidas mensagens sobre a situação do trânsito em tempo real. “Com base no que leio, consigo definir a melhor rota”, diz Arianne. Uma alternativa é virar à esquerda na avenida Brigadeiro Franco e seguir pela Visconde de Guarapuava. “Só assim para conseguir chegar ao trabalho em menos de 1 hora”, afirma.

O painel que Arianne vê é um dos 56 que a curitibana Dataprom instalou na cidade recentemente. Além deles, a empresa desenvolve um sistema que ajuda os funcionários da prefeitura a controlar os semáforos com mais precisão. Com as informações coletadas por 760 câmeras, o sistema altera automaticamente o tempo em que os sinais ficam abertos.

Ruas com muitos carros ganham mais segundos de sinal verde. Onde há menos movimento, espera-se mais. Além da capital, a Dataprom é a responsável por sistemas de trânsito usados em cidades como São José dos Pinhais e Maringá.

“Nossa especialidade é tornar o trânsito menos caótico”, diz o engenheiro Alberto Abujamra, de 59 anos, fundador da Dataprom. Em 2014, as receitas deverão chegar a 70 milhões de reais, 15% mais do que em 2013.

É curioso que Curitiba, tão famosa por seu eficiente sistema de transporte público, sofra com o trânsito caótico. Pudera. Curitiba tem a maior proporção de carros por habitante entre as capitais do país — há um automóvel para cada duas pessoas. Em 2013, a capital do Paraná foi a quinta cidade com maior média de congestionamento.

“Todos os dias Curitiba recebe milhares de trabalhadores que moram na região metropolitana”, diz Pedro Darci, gerente de planejamento e operação de trânsito da Secretaria Municipal de Trânsito da cidade. “O único jeito de fazer com que o aumento do tráfego não se transforme num problema urbano ainda maior é investir em serviços de automatização.”

Raios laser que aumentam a eficiência

Quem assistiu à comédia Querida, Encolhi as Crianças deve se lembrar da cena em que uma máquina criada pelo cientista interpretado pelo ator Rick Moranis dispara raios laser que transformam seus dois filhos e uma dupla de amigos em pessoinhas menores do que um inseto.

Os equipamentos produzidos pela Welle — empresa de Florianópolis que desenvolveu uma tecnologia de aplicação de laser para marcação de peças e embalagens — lembram um pouco a engenhoca do filme. As máquinas são usadas para imprimir códigos de barra e números de série em superfícies de metal ou de plástico.

“Uma aplicação dessas marcações é atestar que um produto é original, o que ajuda combater a pirataria”, diz o engenheiro mecânico Rafael Bottós, de 30 anos, fundador da Welle.

Bottós e seu irmão gêmeo, Gabriel, fundaram a Welle em 2008. Em 2014, a venda das máquinas produzidas pela empresa deverá render um faturamento de 16 milhões de reais, 50% mais do que em 2013. A maior parte dos clientes é de indústrias metal-mecânicas, automobilísticas e de eletrodomésticos. “São empresas que buscam serviços de automação que tornem seus processos mais eficientes”, diz Rafael.

Na fabricante de motores Weg, de Jaraguá do Sul, as máquinas da Welle são usadas para imprimir as informações em componentes de painéis elétricos. “A cada mês, são mais de 250.000 peças que precisam receber códigos de barra”, diz Fernando Torres, engenheiro de processo da Weg.

Por segurança, a Weg rastreia suas peças mesmo depois de vendidas. “Se um dia for preciso fazer um recall, sabemos direitinho onde elas estão.” Antes das máquinas a laser, os números eram impressos com impressoras à base de tinta, um processo que precisava ser acompanhado por seis funcionários.

“A impressão a laser é 30% mais rápida e ninguém precisa ficar cuidando”, diz Torres. “Os funcionários que antes faziam isso agora estão em outras áreas da empresa.”

Tecnologias como a da Welle são importantes para aumentar a eficiência numa região onde a produtividade é um grande desafio. De 2000 a 2010, a produtividade do trabalho no Sul — que é quanto cada empregado contribui para o crescimento da economia — cresceu menos do que a média nacional.

De acordo com especialistas ouvidos por Exame PME, esse é um dado preocupante, porque o Sul registrou a menor taxa de desemprego do país em 2013. “As empresas só podem crescer de dois jeitos: contratando mais funcionários ou produzindo mais com as mesmas pessoas”, diz Graciela Martignago, consultora de economia da Federação das Indústrias de Santa Catarina.

“Se há menos gente para contratar, os processos internos precisam melhorar para que as receitas cresçam.” É aí que entram os serviços da Welle. “Costumamos dizer a nossos clientes que não vendemos máquinas a laser, mas a chance de tornar seus processos mais produtivos”, diz Bottós.

Fonte: Exame